Home A mentira e a Suécia


Quando estou na sociedade, frequentemente minto pras pessoas. Não faço isso pra me aparecer, ou por nenhum ganho material, mas principalmente porque é engraçado e faz as pessoas pararem de me encher o saco. "Por que você só pede legumes?" é muito mais fácil de responder com "Eu tenho AIDS e isso não causa conflito com o meu regime a base de AZT" do que uma explicação sobre um estilo de vida mais pragmático-ideológico-motivado a ser vegetariano.

Às vezes eu esqueço e respondo honestamente, e isso geralmente acontece quando me envolvo numa grande merda. Como no outro dia em que eu estava em uma das conveniências de 'HIV positivo' por aqui, com todas as alas brilhantes e descontos de cartões, que no final das contas você sempre paga mais caro, e eu terminei por conversar com esse sueco. Tudo começou porque ele perguntou que tipo de salsa eu gostava e eu disse que apesar de as opções baratas serem muito populares, a versão de qualidade provavelmente combinaria com a qualidade da comida a qual ele estava acostumado.

Ele ficou surpreso. "Então você conhece algo da Suécia?" Hmm, eu conheço algumas pessoas de lá, eu li um pouco sobre ela e vi fotos e vídeos. Gosta de televisão sueca? Não, coisas feitas em casa de pessoas fazendo bobagens em partes normais da cidade. Eu não acredito em nada que vejo na TV. Parece um lugar muito legal.

Tipicamente modestos, esses suecos. "Bem é como em todo o lugar" ele diz. Eu disse a ele que concordava, mas que a atitude básica da sociedade é altamente desenvolvida. Não seu sistema governamental - isso é moda, assim como os sistemas econômicos - mas seus valores básicos, equilíbrio com a natureza e falta de medo da mortalidade. (Você não deveria dizer merda desse jeito numa loja de conveniências, a não ser que você seja o Marilyn Manson. Aí as pessoas podem balançar a cabeça e dizer "é a cocaína", e sentir como se tivessem passado por cima de você, o que é tudo o que todo mundo quer fazer numa sociedade individualista de qualquer forma. Ganho pessoal. É o que há para o jantar, almoço, café da manhã, lanche e qualquer refeição que você invente).

Diga-me mais, ele diz. Então eu quebro o ponto controverso da minha tese: que em uma sociedade degradada, nós perdemos a habilidade de apreciar o que faz uma sociedade melhor. Como você explica a um ignorante de classe média que ele deveria gostar de música clássica, ou entender porque a atitude dos suecos de ter ruas limpas e um design lógico eficiente é superior? O que eles vêem são preços nas grandes lojas de descontos, que são mais baratos aqui. Ele reconheceu isso.

Disse a mim mesmo que preferia pagar preços mais altos e jogar mais dinheiro de volta na sociedade aos montes, não só pra serviços sociais, mas coisas como ruas bem mantidas e acres infinitos de floresta intocada. Entretanto, eu disse, pra que isso acontecesse eu teria que saber que eu mesmo me beneficiaria disso e não que estou criando uma sociedade de bem estar para quem quiser que apareça.

Então, você é racista? seus olhos encolheram. "Não, não exatamente. Pelo menos não no sentido que eu já tenha ouvido alguém usando no mundo. Eu acredito nas minhas pessoas por mim mesmo. Eu reconheço as diferenças entre as raças, e um lugar diferente na ordem natural, mas isso não é importante pra mim - eu não me sinto melhor comigo mesmo porque sou de certa raça. Eu sei de fato que qualquer sociedade que abra suas fronteiras sem discernimento será afundada por imigrantes e será destruída".

Eu sei de fato que prefiro os meus. Europeus do norte, com uma ênfase nesse tipo de valor. Não posso explicar pra todo mundo por que uma cidade com ruas arrumadas, sem lixo e caminhões de reciclagem é preferível a um lugar que é uma merda bagunçada desorganizada, mas 'tem ótimos preços nos produtos eletrônicos daquela semana'. Eu posso explicar isso para alguns, e essas são as pessoas que têm um histórico parecido com o meu e que pensam como eu. Mas eu não ponho ênfase religiosa nisso.

Pra mim, eu sou um sonhador e um pensador de longa-data. Você me pergunta que tipo de concerto usar numa instalação e eu escolherei aquele que dure o mais próximo dos cem anos que eu pretendo durar. Quando eu construo computadores, tudo é ancorado seguramente e a qualidade das partes é alta, para que então as malditas coisas durem o máximo possível. Eu passo muito do meu tempo apenas pensando, e pensando sobre o futuro, mas eu tiro proveito disso quando é a hora de fazer as coisas.

Entretanto, esse é o mínimo discernimento que não é disponível a todo mundo. A maioria dos americanos por exemplo não notaria muita diferença entre as cidades suécas e as americanas. Eles não apreciariam a diferença entre um computador de alta qualidade e um pedaço de merda, e eles certamente não se importam se os concertos dos banheiros irão durar mil anos. Eles estão bem com o barato e descartável.

Mas se você pensa e sonha, a rota 'barato e descartável' parece menos plausível, através do tempo. Você começa a se ligar das montanhas de lixo que deixamos pra trás, e como ter coisas novas toda a semana não te faz mais feliz. Também, você se sente mais seguro em relação a você mesmo e você tem menos necessidade de puxar o saco das pessoas para sentir-se bem. Você não dá tanta atenção para o transitório e, como você sabe que tudo pode ser destruído amanhã, você começa a construir para o futuro. Eu gosto de viver entre essas pessoas, os pensadores e os sonhadores.

Eu posso dizer pra você que qualquer fator isolado irá limitar permissão de entrada numa civilização de pessoas que pensam assim. Eu acho que a civilização tem que se formar se desestruturando, e começar a cair assim que isso acontecer, porque é impossível fazer burocracia que mantém a idiotice. Mas para pessoas como eu, o tipo de civilização que nós queremos é mais como a Suécia, e nós sempre trabalharemos para isso, mesmo nas coisas pequenas como computadores e consertos de banheiros.

Percebi que ele estava agindo estranho acerca desse tópico, então eu mudei de assunto rapidamente e falei sobre computadores por um tempo. Ele era um bom conversador e tinha a amigabilidade auto-confiante inerente que vários suecos têm e então tivemos uma conversa bacana. Quando chegou a minha hora de ir embora, como ainda estávamos na ala da salsa (envoltos pelo cheiro de detergentes, pacotes brilhantes e reluzentes de plástico e música de Marvin Gaye) ele me deixou saber, de uma forma modesta, que apreciou a minha honestidade. Nenhum sinal dele ter concordado ou não, mas eu poderia dizer com certeza que ele estava pensando nisso. Talvez analisando o seu impacto daqui há um milênio. Eu gosto de viver entre essas pessoas, os pensadores e os sonhadores.

May 18, 2006 - Translated by Isadora Garrido

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